As línguas Aikanã e Kwaza são geneticamente isoladas, que significa que não possuem parentesco com nenhuma outra língua ou família linguística do mundo. Existem algumas semelhanças notáveis entre Aikanã e Kwaza que são compartilhadas com Kanoê, um outra língua geneticamente isolada do sudeste de Rondônia. Mesmo não tendo provas convincentes que essas línguas são relacionadas, a possibilidade de um vínculo genético de longa distância não pode ser excluída. De qualquer forma, os léxicos dessas línguas são bem diferentes, e as poucas correspondências etimológicas encontradas normalmente são tão semelhantes que teriam que ter surgidas através de empréstimo ao invés de herança. A difusão areal pode explicar uma parte dessas semelhanças já que esses grupos são conhecidos por casar entre si e por forjar alianças entre grupos de várias filiações etno-linguísticas.
Aikanã é falado por aproximadamente 170 pessoas. A maioria dos falantes moram na Terra Indígena Tubarão-Latundê. Crianças nascidas de pais que são ambos Aikanã tendem a crescer aprendendo a língua em casa. Porém, o número significativo de casamentos interétnicos, especialmente entre os Aikanã e membros dos grupos vizinhos Nambikwara, ou Brasileiros não indígenas, tem como resultado várias casas da comunidade adotando a língua portuguesa como seu meio de comunicação diária.
Kwaza é falado por aproximadamente 25 pessoas que pertencem à três famílias. Uma família onde apenas a geração mais velha ainda fala a língua e mora na Terra-Indígena Tubarão-Latundê, uma outra família mora principalmente na cidade vizinha Chupinguaia, e a terceira família de falantes de Kwaza mora na Terra Indígena Kwazá do Rio São Pedro. Estas últimas duas famílias são aparentadas, e a língua continua senda adquirida pelas novas gerações.
As línguas Aikanã e Kwaza mostram um contraste distintivo entre vogais orais e nasais. Aikanã possui a consoante fricativa interdental /ð/, que pode ser nasalizada, e a vogal anterior fechada arredondada /y/. Kwaza possui as consoantes implosivas labiais e apico-alveolares /ɓ/ e /ɗ/, e relativamente muitos contrastes vocálicos.
Em termos morfossintáticos, Aikanã e Kwaza são morfologicamente complexos, especialmente em relação aos verbos. Eles são predominante sufixantes e são caracterizados por um certo grau de polissíntese. Ambas línguas apresentam vários sufixos de classificadores e de mudança de valência verbal. Ambas línguas marcam o constituinte dependente, o possuinte, em construções possessivas. Muitos desses traços morfossintáticos são compartilhados com Kanoê e outras línguas da região. Alguns traços são compartilhados somente entre Aikanã e Kwaza, como, por exemplo, o sistema de ‘switch-reference’ antecipatório que indica se o sujeito da próxima oração é o mesmo referente ou não que o sujeito da oração atual. Ambas línguas também apresentam uma construção alternativa para expressar posse onde o constituinte possuído é marcado por um sufixo cuja forma é semelhante entre as duas línguas (Aikanã –deri, Kwaza –tjate).
Os sistemas usados para a marcação de pessoa em Aikanã e Kwaza são bem diferentes. Enquanto Kwaza mostra uma distinção inclusiva/exclusiva nos seus paradigmas pessoais, Aikanã tem apenas uma categoria para a primeira pessoa do plural. Enquanto Kwaza tem apenas um paradigma de flexão pessoal para todos os verbos, Aikanã apresenta por volta de doze classes flexionais com séries de marcadores diferentes. Enquanto Kwaza marca pessoa somente com sufixos, várias classes verbais em Aikanã exigem um prefixo pessoal. Para linguistas, línguas isoladas como essas são particularmente interessante porque elas podem ter propriedades que são extremamente raras, ou até não existentes, entre as demais línguas do mundo. Até agora, Kwaza é a única língua em que a reduplicação é determinada por fronteiras morfológicas ao invés de fronteiras fonotáticas – nesse caso a reduplicação é realizada com sufixos pessoas com estruturas silábicas diferentes. Enquanto que Kwaza já está relativamente bem descrito, ainda falta uma análise descritiva compreensiva de Aikanã.
Referências:
Bacelar, Laércio N. 2004. Gramática da língua Kanoê. Tese de doutorado, Katholieke Universiteit Nijmegen. [http://webdoc.ubn.kun.nl/mono/b/bacelar_l/gramdalik.pdf].
Crevels, Mily & Hein van der Voort. 2008. “The Guaporé-Mamoré region as a linguistic area.” Pieter Muysken (ed.) From Linguistic Areas to Areal Linguistics, Studies in Language Companion Series 90, Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, p. 151-179.
van der Voort, Hein. 2003. Reduplication of person markers in Kwaza, Acta Linguistica Hafniensia, 35, 65-94.
———. 2005. Kwaza in a comparative perspective. International Journal of American Linguistics 71(4): 365–412.
———. 2009. Possessive expressions in the Southwestern Amazon. The expression of possession. William B. McGregor (ed.), 343-388. Berlin / New York: Mouton de Gruyter.
———. 2009. Reduplication and repetition of person markers in Guaporé isolates. Morphology, 19/2: 263-286.
http://www.springerlink.com/content/1545301353748536/fulltext.pdf