Análises científicas de objetos e técnicas culturais indicam que os caxinauás já viviam na bacia do Juruá desde pelo menos o século XIII. Foram pela primeira vez explicitamente mencionados pelo geógrafo inglês William Chandless em uma publicação de 1866. Desde a metade do século XIX, a região passou a receber uma ou outra expedição do Estado do Pará para a exploração da seringa, cacau e outros produtos da floresta. No final do século XIX, os primeiros peruanos exploradores de madeira e de seringa chegaram à área, seguidos por brasileiros, os patrões de seringal e os soldados da borracha, que tomaram terras ocupadas por grupos indígenas dentre eles caxinauás, obrigando-os a trabalharem em seus seringais. Desse primeiro período de contato maciço houve massacres violentos contra a população indígena; massacres que só pararam na segunda década do século XX depois que os caxinauás passaram a participar gradualmente do sistema econômico e social nacional, a partir de seus trabalhos nos seringais.
Hoje em dia, a maioria dos caxinauás vive em aldeias, tendo alguns se estabelecido temporária ou permanentemente em cidades brasileiras (Santa Rosa, Manoel Urbano e Tarauacá) ou peruanas (Puerto Esperanza, Pucallpa), próximas às áreas indígenas, para usufruir de uma infra-estrutura mais desenvolvida.
O grupo caxinauá é caçador e vive da horticultura. A pesca e a coleta são atividades consideradas menores, que servem basicamente para aumentar a diversidade nutricional e complementar a dieta nas épocas de pouca caça ou produção agrícola.
Desde o início do trabalho nos seringais, a extração de borracha virou uma atividade comercial central para os caxinauás brasileiros que – depois de tornarem-se independentes dos antigos patrões – continuaram as atividades da exploração e, em seguida, montaram suas próprias cooperativas. Com a crise econômica que afetou essa matéria prima nos anos 1990, os caxinauás começaram a fabricar artesanato e cultivar produtos agrícolas para a venda. Com apoio governamental, algumas aldeias passaram a criar gado para subsistência própria e também para a venda a fim de adquirir produtos industrializados. O pagamento de aposentadorias, os salários dos professores bilíngües, dos agentes de saúde e dos agentes agro-florestais são outras importantes fontes de renda para as famílias. Hoje em dia, a produção da borracha no Brasil perdeu sua importância para a maioria dos caxinauás. No Peru, a exploração da borracha nunca foi um ganha-pão para os caxinauás. A venda de caça e de produtos agrícolas, assim como o artesanato, é a fonte de renda do grupo. Os professores bilíngües são remunerados pelo Estado.
Casa caxinauá, San Martin/ Purus (© Camargo 2006)
Essa construção pode ser considerada como uma casa típica caxinauá. No Brasil e no Peru, neste último em menor escala, as casas novas têm sido cobertas com alumínio. Porém a maioria das casas é coberta com palha e apresenta uma divisória para o quarto de dormir. A arquitetura da casa tradicional caxinauá, xubuwan, era muito próxima daquela fotografada por Erikson entre os matis, outro grupo pano, que vive no rio Ituí, no Vale do Javari (Brasil). Ela era ampla e cada família tinha um espaço separado por esteios, onde penduravam suas redes e tinham o seu fogo para se esquentar. O fogo para a cozinha era preparado fora da casa. Na maloca, cada família tinha sua abertura que conduzia ao local do fogo externo e ao caminho de onde faziam suas necessidades. A abertura era fechada ou por palha ou por pele de animal, tipo queixada (yawa kuin).
Casa pano tradicional (© Erikson 1985)
Uma aldeia caxinauá ideal (mae kuin ‘aldeia kuin’) é formada por duas metades: uma dua bakebu (lit. progenitura de suçuarana), outra inu bakebu (lit. progenitura de onça pintada). Sociedade uxorilocal, as aldeias são constituídas por primos cruzados, suas esposas, seus filhos (que se aliam com as filhas das irmãs do pai, ou seja, com as primas cruzadas) e seus netos. O casamento ideal procede-se pela união de um homem da metade dua com uma mulher inani que pertence à metade inu. Um homem da metade inu alia-se a uma mulher banu, ou seja, da metade dua.
Originalmente, uma aldeia dispunha de uma maloca, xubuwan. Em tempos mais recentes, o modelo residencial assimilou-se ao ribeirinho e com a influência cristã, na qual cada família nuclear ocupa uma casa. Kensinger (1998:65) caracteriza a posição da liderança (xanen ibu) de uma aldeia como uma liderança “sutil” que só expõe sua autoridade em momentos de crise.
Segundo Lagrou (ISA 2005), “uma divisão de trabalho e espaço de gênero é fundamental para o dia-a-dia”. A caça, o cultivo da terra, a colheita de frutas do mato (açaí, bacaba, etc), a procura de lenha, a construção de casas e canoas e a extração da borracha, o trabalho de tissagem com cipó e a preparação da bebida ayahuasca (nixi pae) pertencem ao campo masculino. No espaço público dentro e fora da aldeia, os líderes políticos são homens, mesmo havendo algumas mulheres professoras. Porém com o avanço da cooperativa de artesanato de algodão pelas mulheres, estas neste âmbito têm tido espaço para a expressão externa. A colheita dos produtos do roçado, de algumas frutas, a preparação da gastronomia, a tecelagem, a cerâmica assim como a criação doméstica estão mais ligadas ao domínio feminino. Em rituais e em algumas atividades coletivas, a posição dos homens prima em relação à divisão de sexo.
Mulher desenhando kene (© Camargo 2006)
A socialização específica masculina ou feminina começa a partir do momento em que a criança começa a andar. A criança pertence à metade social do pai. Isto é se o pai for Inu bake, o filho será inu e a filha inani. Se o pai for Dua bake, seu filho será dua e sua filha banu. O nome (kena kuin) do menino é dado pelo avô paterno e o da menina pela avó materna, ambos dão ou seus nomes ou nomes de membros de sua família por linha paterna. Ou seja, se a criança for dua, o avô paterno sendo dua nomeia o filho do filho. A avó materna pertence à metade dua, o que lhe confere o direito de nomear a filha de sua filha, que pertence à mesma metade dua que ela, a avó. (cf. também Deshayes &Keifenhem, Kensinger 1998: 39). Tradicionalmente, uma criança é chamada por um dos seus nomes (kena kuin) somente durante o primeiro ano da sua vida. A partir do momento que ela domina completamente os termos vocativos e de referência da terminologia de parentesco caxinauá, ela será interpelada por termos vocativos e ao ser chamada por um apelido (kaxe kena) é por se tratar de uma situação jocosa. Na situação de comunicação, os termos vocativos são de regra, ao passo que os termos de referência predominam em situação discursiva. Em uma situação de encontro pela primeira vez entre caxinauás que não se conhecem, eles revelam sua metade social, em seguida o seu nome, kena kuin. Procedimento que permite a identificação da metade a qual a pessoa pertence e a relação de parentesco que os liga. Uma vez a relação de parentesco identificada, os termos de vocativo e de referência são empregados.
Mesmo que os caxinauás já tenham assimilados muitos elementos do estilo de vida ocidental, como roupa, barcos a motor, espingardas, etc., a sua tradição cultural ainda está viva na memória das pessoas, principalmente nas aldeias peruanas. Com as mudanças inelutáveis que cada sociedade conhece e com a forte influência de evangelistas fundamentalistas, rituais primordiais para o grupo, como o txirim (txidim ‘dança de ré’) deixaram de ser realizados. Entre os caxinauás que moram no lado brasileiro, observam-se esforços para revitalizar atividades culturais como rituais – cantos e danças, práticas específicas de discurso, percurso histórico do grupo, sua cosmologia, sua mitologia. Esses muitas vezes baseiam-se no conhecimento dos parentes caxinauás localizados no lado peruano, que ainda detêm o conhecimento e um modo de vida mais tradicional.
festa do mariri (Katxa nawa) na aldeia de Mucuripe/Praia do Carapanã (© Camargo 2006)
O uso da bebida alucinógena (nixi pae) não é restringida aos xamãs como em outros grupos amazônicos, mas uma prática coletiva entre os homens adultos da sociedade caxinauá. Contrariamente ao que se deixa crer a literatura antropológica caxinauá e sobretudo, no caso dos caxinauás brasileiros, ávidos por reencontrar e recuperar suas origens tradicionais, o xamã caxinauá (huni mukaya) não toma a bebida para ter acesso direto ao mundo espiritual/sobrenatural e conversar com o espírito-yuxin de seus antepassados. Também contrariamente a literatura que eleva o homem caxinauá como xamã, este quando reconhecido como “muka haya” (ter a propriedade do muka) são normalmente mulheres menopausadas. Os homens geralmente são os huni dauya, ou seja os herboristas, grandes conhecedores da farmacopéia – mulheres também dispõem desse saber.
Os grupos caxinauá e shipibo-conibo dispõem de uma ampla literatura antropológica, sendo os dois grupos panos mais estudados até agora. As primeiras observações sobre as tradições culturais caxinauás foram escritas no início do século XX pelo padre francês Constantin Tastevin quando os encontrou durante sua viagem pela bacia do Juruá e Purus. O historiador João Capistrano Honório de Abreu, que se interessava pela cultura indígena brasileira, acolheu em sua casa no Rio de Janeiro dois jovens caxinauás na primeira década do século XX e com eles elaborou a primeira obra bilíngüe caxinauá-português, publicada em 1914 [1941]. Este livro com quase seis mil enunciados apresenta textos relativos às atividades cotidianas e práticas rituais do grupo, aos encontros e conflitos entre o grupo e os brasileiros/peruanos, registra um número impressionante de narrativas míticas, de adivinhações e oferece um léxico bilíngüe. Em 1956, Kenneth Kensinger contatou o grupo enquanto missionário, membro do SIL. Porém, logo se deu conta que não poderia exercer o papel de evangelizador e formou-se em antropologia nos Estados Unidos. Sua contribuição à etnografia caxinauá é de grande valor antropológico. Entre o final dos anos 70 e nos anos 80, outros antropólogos, entre esses a alemã Barbara Keifenheim, o francês Patrick Deshayes, estudaram diferentes aspectos da cultura do grupo. Nos anos 90 Keifenheim, realizou estudos sobre a categoria da percepção entre os caxinauás. No Brasil, a pesquisa antropológica teve impulso maior a partir dos anos 70 com o estudo de Terri de Aquino, seguido pelo o da antropóloga inglesa Cecilia McCallum nos anos 80 e pelo o da belga Elsje Lagrou nos anos 90.
A língua caxinauá não recebeu a mesma atenção que a cultura. Desde os anos 1960 os missionários do SIL (Instituto de Lingüística de Verão) Robert Cromack, Susan Montag et Richard Montag, predominantemente ocupados com a tradução da bíblia, publicaram algumas análises e um dicionário da variedade falada no Peru. Desde 1989 a lingüista Eliane Camargo tem visitado grupos nos dois lados da fronteira e tem publicado diversos artigos sobre aspectos gramaticais da língua.